17 de julho de 2016

Pau Grande, a cidade de Garrincha


Garrincha em Pau Grande

PAU GRANDE, A CIDADE DE GARRINCHA

Tauan Ambrosio 

Apesar de ser uma terça-feira comum, o clima era de festa no Ginásio Poliesportivo Nelson Ferreira Lima: música, brincadeiras, animadores e até uma cantina distribuindo cachorros-quentes e guaraná. Uma atividade artística e educacional inspirada pelas Olimpíadas, algo aparentemente simples para quem chega de uma capital. Mas de importância enorme por aquelas bandas.
Parecia até data comemorativa, como a que acontece anualmente todo dia 18 de outubro e movimenta o local mais famoso do 6º distrito do município de Magé, no Rio de Janeiro. Estamos falando de Pau Grande, lugar de nome engraçado para quem gosta de piadas de duplo sentido e que passou a ser de conhecimento público por ter sido o berço de um dos maiores craques da história do futebol: Mané Garrincha.
Conforme marcado, vou me encontrar com Rosângela pela primeira vez. Ela chega com um sorriso no rosto e me dá um abraço, enquanto eu ainda tento digerir aquela imagem. Afinal de contas, ela é igualzinha ao seu pai. Só que a paternidade de Garrincha foi provada somente após um exame de DNA. Algo aparentemente desnecessário, tamanha semelhança – principalmente nos olhos, nariz e boca.
Rosângela nasceu em 1954, fruto de um dos muitos casos extraconjugais do craque. Sua mãe, Alcina, trabalhava na América Fabril (a fábrica têxtil que era a grande responsável pela movimentação do local no passado) e quando ficou grávida Garrincha se afastou. Nunca cobrou nada de Mané, que na época dava os seus primeiros passos como jogador do Botafogo.
Apesar de não ter passado a infância com o pai, Rosângela não demonstra nenhuma mágoa. Pelo contrário. É uma entusiasta de Mané Garrincha, sempre disposta a fazer o que pode para manter viva a memória do maior camisa 7 do Brasil e da história do futebol de seleções. Dentro do poliesportivo, que segundo ela será rebatizado em honra ao craque, ela montou um espaço com homenagens ao filho mais famoso do 6º distrito de Magé.
Em meio às crianças que enchem a sala, chutando bolas e tirando fotos como se fossem Garrincha, Rosângela confessa que estava nervosa. “Passei a noite toda preparando isso”, disse. Uma sala repleta de imagens, recortes de jornal, livros, camisa em verde e amarelo e outras com a famosa Estrela Solitária em preto e branco. Orgulhosos, outros parentes de Mané Garrincha chegam ao local. E eles são muitos: netas, bisnetos... todos moradores de Pau Grande.
A história da família por lá é muito antiga. Começou com Mané Caieira, tio de Garrincha, que prosperou no local e chamou os irmãos para deixarem o Nordeste do país em busca de uma vida melhor no pé da serra fluminense. E segue até os dias atuais. Rosângela, que garante sempre ter tido boa relação com as outras irmãs, apresenta as netas de Garrincha. Uma delas já pensa até em carreira política pela região. Rosângela também mostra com orgulho os bisnetos do craque, e quando eu cito o irmão sueco – fruto de uma ‘escapada’ de seu pai na Copa do Mundo de 1958 – ela abre um sorriso e recorda de uma visita dele a Pau Grande.
O ginásio é todo temático ao herói daquela terra, e conta com quatro grandes imagens pintadas em suas paredes: as pernas tortas de Garrincha, um retrato do próprio vestindo a camisa da Seleção, um grande escudo do Botafogo e o brasão de Magé. É apenas uma pequena amostra da presença absoluta de Garrincha por ali.
Deixamos o local, e logo em frente está a Escola Municipal Mané Garrincha. Alguns metros depois, outro centro educacional batizado em homenagem ao Anjo das Pernas Tortas. Mais perto ainda, o Estádio Mané Garrincha. Longe da modernidade da arena construída em Brasília, este aqui é o campo do Esporte Clube Pau Grande, clube amador fundado em 1908 pelos ingleses donos da América Fabril e defendido pelo ponta-direita mais famoso de nosso futebol.
Só que não era o campo preferido de Garrincha. Se havia fidelidade no seu amor ao futebol, este talvez esteja ligado ao terreno de terra batida em uma das encostas da cidade. Para chegar lá, é preciso subir um pouco pelo mato. O suficiente para ter uma vista completa do pacato distrito ao pé da serra. O campo fica cercado por árvores e a encosta. Lá, Mané disputava peladas que, para ele, valiam tanto quanto uma partida de Copa do Mundo. Inclusive, antes de jogos importantes por Botafogo ou Seleção Brasileira. É lógico que os dirigentes detestavam isso, afinal de contas as chances de lesão aumentavam.
Mas o futebol, para Manuel dos Santos, era somente uma grande diversão. Algo tão prazeroso quanto o calor de uma mulher ou de um copo de bebida. Os bares onde ele bebia acompanhado dos inseparáveis amigos Pincel e Swing estavam fechados. Mas existe o pensamento de revitalizar alguns dos pontos preferidos de Garrincha em Pau Grande. A intenção é usar a imagem do ídolo para alavancar o turismo local.
A moradia que ganhou da América Fabril após a conquista da Copa de 1962 é um destes pontos principais. Lá mora a neta de Garrincha, Sandra. Uma casa amarela, com imagens do Anjo das Pernas Tortas por todos os lugares. Na garagem, o sonho é revitalizar um bar temático sobre o familiar ilustre. Marido de Sandra, Carlos Eduardo vestiu até uma réplica da camisa usada no Mundial do Chile. O plano é o de fazer um grande passeio temático pelo distrito, contando a história de vida de seu filho mais famoso.
Já são 33 anos desde a morte de Mané Garrincha, mas em Pau Grande ele segue vivo em todos os lugares. Ainda é tema de conversa entre os moradores, que se orgulham do camisa 7 como se ele ainda estivesse em campo. Uma rotina que pouco mudou em relação a décadas atrás: as pessoas ainda caçam passarinhos, conversam em botecos e, claro, jogam futebol. Todos sonham em ver a história se repetir de alguma maneira. Mas, como Rosângela faz questão de afirmar, “Garrincha não tem mais não”.
Embora siga vivo em sua terra natal como em nenhum outro lugar, e seja a principal esperança para Magé entrar no circuito turístico do Rio de Janeiro, a sensação final é óbvia: Garrincha foi algo único em toda a história do futebol. E é exatamente por isso, por suas conquistas e pela beleza de seu jogo, que deve sempre ser lembrado. Esquecido? Jamais!

Fonte: Yahoo Esportes

14 de julho de 2016

O Brasil na Copa do Mundo de 1938 - Parte IV


O BRASIL NA COPA DO MUNDO DE 1938 – PARTE IV

João Saldanha

Nem bem havíamos chegado em Marselha e apareceram na concentração brasileira os italianos. Vitorio Pozzo, o grande treinador, estava acompanhado por três pessoas. Scopelli, ex-jogador argentino que já tinha jogado pela Itália e pela França, e mais dois com pinta de agentes funerários. Pozzo trajava um vistoso paletó azul-rei e calças cinza-claro. A camisa era branca. Elegante, até, estava o velhão. Scopelli não me chamou a atenção, mas os outros dois vieram de terno preto, de casemira, gravata preta e chapéu da mesma cor. O motivo da visita era o seguinte: por questão de dificuldades em passagens aéreas, Pozzo queria combinar o fretamento de dois aviões. O time que ganhasse iria para Paris, disputar a final com o vencedor de Hungria e Suécia. Quem perdesse o jogo iria para Bordeus disputar o terceiro lugar com o perdedor dos outros dois. Nossos representantes na discussão não foram muito diplomáticos. Responderam logo de cara que já tinham reservado avião para Paris e os italianos que se virassem. O pior, entretanto, foi a declaração de um dos nossos, se não me engano, o próprio Pimenta, que disse com voz de bravo: “E olhem, sabemos que os italianos jogam duro, mas com o Brasil a cana é diferente. Os tchecos se estreparam”.
Scopelli e Carlos Volante, que serviam de intérpretes da conversa, nem quiseram traduzir. Mas os homens entenderam bem e, malandramente, enviaram um ofício à FIFA, para que advertisse o árbitro do jogo que os brasileiros, por viva voz do treinador, afirmaram que iam “baixar o pau”. O ofício foi assinado pelo chefe da delegação italiana e como testemunhas, Scopelli e os dois “papa-defuntos”. Pegou mal o negócio. E veio o jogo. Sentei atrás do gol junto com Tim e Nariz que estavam no banco. Os italianos foram nitidamente superiores no primeiro tempo. Nosso goleiro, Walter, pegava até pensamento e as balizas nos ajudaram. Domingos da Guia, Martine Machado faziam uma grande partida, mas a pressão italiana era fortíssima. Tim a meu lado chegou a dizer: “Não aguentaremos. Não demos um chute a gol e eles já perderam uns quatro ou cinco”. Era verdade. Olivieri, goleiro italiano, não tinha feito uma defesa, e Walter estava até meio tonto. Nosso ataque não se entendia e nem recebia uma bola. A narcação italiana era perfeita. Jogavam limpo, pois não queriam bronca. Sentiam que poderiam ganhar a partida. Estava fácil, e o zero a zero do primeiro tempo tinha sido milagre.
Veio o segundo tempo e, não demorou muito, Biavatti centrou para o extrema-esquerda Colaussi, que emendou para dentro. Um a zero para eles. Bem na nossa cara. No gol em que estávamos sentados. Não houve reação. Ao contrário. Os italianos atacavam cada vez mais, e Colaussi armou-se para centrar uma bola da extrema-esquerda. Piola vinha na corrida para receber e, antes do centro, Domingos da Guia, meio atrasado no lance, deu um bico no joelho de Piola. O árbitro suíço Wutrich marcou o pênalti e fez um gesto de expulsão para Domingos da Guia, pois considerara o pontapé sem bola uma agressão. Formou-se o bolo e a torcida ficou do nosso lado. Domingos da Guia não foi expulso, mas o pênalti foi irreversível. Meazza chutou e dois a zero. Nariz comentou: “Não havia necessidade de fazer o pênalti; o centro nem tinha saído”. Tim retrucou: “É, mas o gringo vinha sozinho pelo meio da área e era gol certo”. O caso é que houve o pênalti e nós não sabíamos de muita coisa. Nem as regras do jogo. Ridiculamente, ainda protestamos por escrito. Como a bola estava fora da área, muitos pensaram que não havia pênalti. Acontece que a falta de Domingos da Guia fora bem dentro da área. Outra coisa que não sabíamos era bater tiro-de-meta. Embora a lei fosse antiga, aqui no Brasil o costume era o beque levantar a bola para o goleiro, este agarrar com as mãos e chutar para a frente. Só pouco antes da Copa de 38 é que o “tiro-de-meta” passou a ser usado em nossos campos. No finzinho do jogo, Romeu, escorando um centro de Patesko, marcou para nós. Além desta vez, só estivemos perto do gol quando Foni, beque italiano, falhou e Perácio dividiu uma bola com o arqueiro italiano. Foi muito justa a e fácil a vitória da Itália, como também foi justa e fácil a vitória final, por quatro a dois, contra os húngaros, em Paris.
Não assisti o jogo Brasil e Suécia, pois fui ver a final. Nos classificamos em terceiro lugar, mas fomos considerados os segundos. O jogo contra a Itália tinha sido a verdadeira final. Este era o pensamento unânime da crônica.
Tivemos possibilidades de ser campeões. O time era excelente, mas nosso modod e jogar obsoleto. Rigorosamente, estávamos catorze anos atrasados. A lei do “of-side” havia sido modificada em 1924, e nosso time jogava apenas com dois beques de área. Todos os demais jogavam com três, no mínimo. Daí sermos tão vulneráveis. A nova lei do impedimento obrigava a modificação. Não adiantava mais o “beque-espera” e o “beque-avanço”. Antes, isso era justo. Antes de 1924. Bastava o “Avança” dar dois passos e colocar todo o ataque adversário em impedimento. A lei dizia: “Para se estar em condições de jogo, é necessário ter pelo menos três adversários pela frente”. Então, com a saída do “avança”, ficavam apenas dois. A nova lei, que vigora até hoje, mudou tudo, inclusive a forma de jogo, quando disse: “Para se estar em condição de jogo, é necessário ter pelo menos dois adversários pela frente”.
O caso é que nós tínhamos sempre dois beques contra três atacantes. Isto é o que explica o fato de Domingos da Guia ser obrigado a fazer pênaltis em todas as partidas. Quase que em desespero. Logo ele que foi consagrado como um dos melhores da Copa. O pior era no meio de campo, onde tínhamos três “médios” e os adversários apenas dois “meias”, intercalados entre nossos homens, deixando Afonsinho e Zezé Procópio sem tarefa, ao mesmo tempo em que punham Martin Silveira na roda. Esta foi a principal questão que causou nossa derrota. Estivéssemos atualizados, e não perderíamos.

Fonte: O Brasil na Copa do Mundo (livreto distribuído pela Esso do Brasil, em 1966)

12 de julho de 2016

O Brasil na Copa do Mundo de 1938 - Parte III


O BRASIL NA COPA DO MUNDO DE 1938 – PARTE III

João Saldanha

O jogo Brasil e Itália era decisivo da Copa. Logo no começo, ninguém fazia muita fé no nosso time. Mas depois das duas partidas contra a Tchecolosváquia a coisa mudou. Os observadores faziam restrições ao nosso modo aberto de jogar. Achavam nossa defesa vulnerável. Entretanto, não deixavam de salientar o espetacular domínio de bola e a habilidade dos brasileiros. Leônidas da Silva se transformara numa das principais vedetes da Copa. Estava sempre nas manchetes juntamente com Piola, Meazza e o húngaro Sarosi, os outros “cobras” dor torneio. Mas nossa vitória sobre os tchecos colocara na imprensa a decisão: quem vencer a partida será o campeão. A Itália tinha uma dose de favoritismo. Formara um grande time, muito bem treinado e, o que era mais importante, dentro do padrão do futebol moderno. Mas havia um fator que nos fazia equilibrar o jogo.
A tônica da Copa do Mundo de 1938 foi a guerra que explodiria um ano depois. A torcida ia ao campo levando isso a sério. O aspecto esportivo foi muito prejudicado. As forças estavam divididas: Itália e Alemanha, quando jogavam, enfrentavam adversário, torcida e, algumas vezes, o árbitro.
O jogo Suíça e Alemanha, por exemplo, foi típico. O time alemão era muito superior. Oito austríacos e três alemães. A Áustria, pouco antes, era chamada de “Wonder Team” o “Time Maravilhoso”. A Suíça tinha o mesmo padrão de hoje. Jogava modestamente e muito trancada. A Alemanha era a favorita. Mas quando seus jogadores entraram no campo do C. A. P., em Parc des Princes, em Paris, marchando como soldados, perfilando-se no meio de campo, estendendo o braço direito para cima e, em vez de “Hip Hurra”, gritando “Heil Hitler”, foi aquela água. A torcida vaiou mandando uma brasa firme e entrou a Marselhesa. Eu também cantei. Quer dizer, pelo menos aquele pedacinho que todo mundo sabe: “Alons enfants de la Patrie...” A onda pegou, e os suíços se entusiasmaram. Mas não adiantou muito. Logo de cara um a zero para a Alemanha. Um suíço se machucou e dois a zero. Parecia que o jogo estava terminado. Como a Suíça poderia recuperar? Sei lá, o caso é que pelas tantas, um zagueiro alemão deu uma pregada num suóço. O público exigiu e o juiz mandou-o pra fora. Novamente a Marselhesa tomou conta, e um suíço, em posição meio marota, marcou o primeiro para o seu time. Os alemães reclamaram e a onda aumentou. Logo em seguida, dois a dois, e a Suíça dominou. Resultado: a Marselhesa ganhou o jogo por quatro a dois. A Suíça não foi longe. No jogo seguinte saiu do páreo.
Com a Itália o negócio não era tão agressivo. Também os italianos não foram trouxas. Na primeira partida, contra a Noruega, entraram em campo fazendo a saudação fascistas. Em Marselha não era sopa, e o povo invadiu. O time italiano se mandou para dentro do vestiário e voltou dando “Hip Hurra”. Mesmo assim, contra o mais fraco adversário da Copa, tomou um gol de cara, só empatou no finzinho e ganhou a duras penas na prorrogação. Para se ter uma idéia, depois o time da Noruega jogou contra um time da segunda divisão francesa, amistoso, perdendo por oito a três.
A seguir, a Itália enfrentou a França em Paris. Os franceses era apenas regulares. Tinham a vantagem de estar em campo da casa, mas fizeram uma onda prejudicial. Seu goleiro, Di Lorto, de origem italiana, foi posto em dúvida pela imprensa. Di Lorto jogou e muito bem. Mas foi impotente para deter a “Squadra Azurra”, e a França perdeu por três a um. Em Paris, os italianos foram malandros. A saudação para o público foi mais um adeusinho do que aquela estirada enérgica do braço para cima. Depois da França, o negócio era contra nós. O jogo foi marcado para Marselha. Lá mesmo onde os italianos tinham passado mal contra a Noruega. A Itália chegou a protestar, mas não adiantou. A FIFA manteve a ordem.
Nosso time estava cansaço e havia dificuldade de transporte de Bordéus para Marselha. Um ônibus foi fretado, e na frente seguiram os que deveriam jogar. Leônidas estava de fora. Sei que até hoje discutem a questão. Mas a verdade é que ele não tinha condições. Uma distensão e a estafa impossibilitavam a ideia. Os dois jogos contra a Tchecolosváquia um deles com prorrogação, botaram nossa equipe em condições de miséria. Ainda foi tentada a inclusão de Niginho no time. A FIFA não aceitou. Niginho estava suspenso por quebra de contrato e não havia condição.
O jeito era improvisar um time e tratar de descansar até a hora do jogo. A seleção brasileira foi para “Camoins les Bains”, nos arredores de Marselha. Bom lugar e sossegado. O diabo era um barzinho do outro lado da estrada, onde uma mulher gorda e muito compreensível servia magníficos aperitivos.

Fonte: O Brasil na Copa do Mundo (livreto distribuído pela Esso do Brasil, em 1966)

8 de julho de 2016

O Brasil na Copa do Mundo de 1938 - Parte II


O BRASIL NA COPA DO MUNDO DE 1938 – PARTE II

João Saldanha

O primeiro jogo foi em Estrasburgo. O campo era razoável,mas o estádio muito mixuruca. Umas doze a quinze mil pessoas podiam entrar lá dentro. Não lotou. Brasil e Polônia não só não atraíam muita gente, como uma competição de ciclismo, ali pertinho, arrastou a multidão para lá. Os poloneses eram bons. Notou-se isso logo de cara, quando andaram perdendo uns gols. Mas jogavam um alegre e meio desorganizado. Ou iam todos à frente, ou ficavam todos na retaguarda. Chegamos a fazer quatro a dois e nos últimos momentos eles empataram. Quatro a quatro e teve de haver prorrogação. Fizemos dois gols e eles um. Resultado: seis a cinco. Mais tarde, quando voltei ao Brasil, fiquei sabendo que se propalara que os poloneses tinham empatado por causa da chuva, quando vencíamos por 4 a 2. E a explicação é que os europeus sabiam jogar na chuva e nós não. Não é verdade. Quando começou a chover, pouca chuva por sinal, a partida já estava empatada. A chuva não nos atrapalhou em nada. Batatais não esteve muito bem e Wilimovski passava por nossa defesa com muita facilidade. Fez dois gols e cavou um pênalti. De qualquer forma, vencemos. Nosso time foi o azul. Completinho.
Após o jogo, como alguns jogadores ficaram com os músculos meio doloridos, Carlos Volante, depois campeão pelo Flamengo, apresentou-se como massagista. Seu contrato com o Racing, de Paris, havia terminado e sua idéia era vir para a América do Sul. Ajudava nos treinos como massagista e como tapa-buracos, em qualquer posição, caso alguém não pudesse treinar. Médico também não tínhamos. Nariz, zagueiro do time branco, “quebrava os galhos”. Castello Branco ajudava e, se fosse o caso, bastaria procurar um doutor francês na lista telefônica. Não foi necessário. Mesmo a célebre distensão de Leônidas não poderia ser curada a tempo. No mais, a gripe fortíssima de Domingos da Guia e Batatais, que foram tratados por Álvaro Lopes Cansado, nome inteiro de Nariz.
De Estraburgo fomos para Bordéus. Lá seria o segundo jogo, contra a fortíssima Tcheco Eslováquia, vice-campeã mundial de 1934, que só havia perdido a final para a Itália, com Mussolini chefiando a torcida da “Squadra Azurra”. Mas era preciso dar um treino. No estádio oficial dos jogos da Copa não era possível. Só seria inaugurado no dia do jogo, e em matéria de inauguração só franceses são inflexíveis. O remédio era treinar num campo qualquer. Por informação e por ajuda arranjaram um local.
Um sério problema aconteceu. Antes de nós, algumas vacas haviam estado no campo e fizeram de tudo. O doutor Sotero Cosme, diplomata e representante da CBD junto à FIFA, sabendo falar muito bem o francês, foi se queixar da irreverência das vacas. O dono do campo ouviu a reclamação e deu uma bronca: “Esse campo é para as minhas vacas. Já fiz muito em cedê-lo por uma hora. Tratem de treinar se quiserem e não se atrevam amexer em nada. Não posso ter prejuízo”. E retirou-se indignado. O jeito foi treinar com todo cuidado. Castello Branco e Nariz chamaram a atenção dos jogadores para não caírem, pois poderiam se esfolar e contrair tétano. Foi mais um bate-bola do que um treino. Os goleiros é que não aceitaram a bronca do dono e arranjaram uma pá para limpar a área. Mas serviu para mexer o time.
Tínhamos jogado com a Polônia em cinco de julho. No dia doze veio o jogo com os tchecos. Parada duríssima. Fizeram u gol de pênalti, cometido por Domingos da Guia, e nós fizemos outro. Leônidas foi o autor. Nosso time foi o azul, com Walter no lugar de Batatais. Chegamos a dominar o jogo, mas Planicka, o goleiro, pegava tudo. Daucik, beque, que apelidamos de “Pescoço de Touro”, também era um paredão. No ataque, Rhia, o ponteiro, e Hedjely davam muito trabalho. O um a um não saía do marcador quando Zezé Procópio deu uma sarrafada em Rhia, que também não era anjinho. Foi expulso, mas o adversário não pode jogar mais. E acho que por muito tempo. Nosso beque, Machado, deu uma bolacha num outro gringo e também foi expulso. A torcida, que estava do nosso lado, virou contra. Ficamos nove contra dez, e haveria prorrogação. A “sorte” é que Perácio, numa bola dividida com Planicka, quebrou o braço do goleiro. Não houve má fé. Mas foi a salvação da lavoura. Com prorrogação e tudo terminou mesmo um a um. Haveria um jogo-desempate quarenta e oito horas depois. Os tchecos apareceram em nosso hotel para uma visita de cortesia na véspera do jogo. Planicka com um braço na tipoia, Rhia de muletas e o outro com uma mancha roxa no rosto, faziam parte da comissão apaziguadora. Foram bem recebidos e a missão coroada de êxito. A outra partida foi limpa. Dia catorze, lá estávamos no mesmo campo.Nosso representante foi o time branco, com Leônidas de centro-avante. O tal jeitinho que seria dado para que Niginho pudesse jogar, não pode ser. A FIFA endureceu e nada feito. Leônidas teve que “dobrar”. O time tcheco era quase o mesmo, sem Planicka e Rhia que estavam no estaleiro. Tinham levado apenas dezesseis ou dezessete jogadores. Chegaram a marcar um gol na frente, por intermédio de Nedjely. Leônidas fez um golaço de virada e Roberto, no segundo tempo, pegou um sem pulo de perna esquerda. Dois a um e o jogo ficou fácil. Eles estavam “mortos”. Leônidas também. Estendeu mesmo um músculo. Nem podia caminhar e, dois dias depois, em Marselha, teríamos de enfrentar a Itália, campeã do mundo. Um time esgotado contra um adversário fresquinho e muito bom.

Fonte: O Brasil na Copa do Mundo (livreto distribuído pela Esso do Brasil, em 1966)

7 de julho de 2016

O Brasil na Copa do Mundo de 1938 - Parte I


O BRASIL NA COPA DO MUNDO DE 1938 – PARTE I

João Saldanha

Era a terceira vez que o Brasil participaria da Copa do Mundo. Nas duas primeiras, as experiências foram amargas. A Copa de 1938 seria disputada na França e o Brasil armou uma grande equipe. Efetivamente, o que havia de melhor. Não havia cisão como nos anos anteriores e São Paulo participava com seus craques. A escolha dos vinte e dois não deu margem a grandes discussões. Os jogadores representavam a fina flor do nosso futebol.
Apenas uma ou outra divergência: se deveria ser Perácio o meia esquerda ou se Tim deveria ser o efetivo. Na ponta-esquerda a discussão se travou tendo, como bandeira, de um lado, Hércules, e do outro Patesko. A verdade, porém, é que todos eram grandes jogadores. Dois times foram preparados: o azul e o branco. O time azul era considerado o mais agressivo, e o time branco o dos bailarinos. Os treinos coletivos davam resultados positivos para ambos. Os de ginástica, entretanto, deixavam a desejar. O fato é que, naquela época, ninguém sabia direito, em todo o Brasil, a ginástica adequada ao futebol. E, naquele tempo, não só os jogadores como também o público, tinham raiva do treinamento físico. Como os treinos eram de porta aberta, bastava o técnico Ademar Pimenta tentar começar a ginástica para as vaias começarem: “Isso é lero-lero!” A ginástica constava de uma ou duas voltas ao campo, um pouco de respiratória e um ou outro movimento de braços. Não passava de um fraquíssimo aquecimento. Público, imprensa e os próprios jogadores queriam era o treino com bola. Com a bola, melhor dito, porque se a única existente fosse parar muito longe, ou caísse na rua quando o exercício era no campo do Botafogo, parava o treino até que um garoto de boa vontade a trouxesse de volta. Se fosse um garoto mau caráter, era um buraco. O treino só recomeçava quando o clube emprestava, com restrições, sua bola. Geralmente uma bola preta e muito gasta. Ademar Pimenta reagiu e exigiu pelo menos duas bolas para poder treinar direito. E que fossem novas. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD), em vez de duas, comprou três. Não houve mais o problema. O time azul, o principal, foi escalado assim: Batatais, Domingos da Guia e Machado, Zezé Procópio Martin e Afonsinho, Zeca Lopes, Romeu, Leônidas, Perácio e Hércules. O time branco com Wálter, Jaú e Nariz, Brito, Brandão e Argemiro, Roberto, Luizinho, Niginho, Tim e Patesko.
Com Niginho havia uma encrenca na FIFA. Deixara o Lazio, da Itália, sem terminar o contrato. Pimenta quis levar Caxambu, mas a imprensa, a torcida e a própria CBD acharam que Caxambu não era o ideal e que se daria um jeitinho no caso. Niginho, certamente, jogaria.
Em 1938, só havia eliminatórias na Europa. Na América não era necessário. Só o Brasil participava e bastou a inscrição pura e simples. Mesmo na Europa só uma ou duas eliminatórias foram disputadas. A Inglaterra não dava pelota para a Copa do Mundo porque coincidia com as férias do seu futebol. E para os ingleses, jogar futebol, consagrado como esporte de inverno, era um crime competir no verão. Só por exceção, durante a visita do Rei George e da Rainha, e por altos interesses diplomáticos, a seleção inglesa deu um pulo a Paris, bateu nos franceses, passeando, por quatro a dois, e voltou no dia seguinte para casa a fim de jogar “cricket” e tomar chá. Tal jogo só foi possível porque 1938 foi um ano agitado. Hitler já havia anexado a Áustria e os ingleses e franceses tinham que demonstrar uma sólida amizade. Como os ingleses não participavam, também não davam bola os outros países do Reino Unido. Não havia, pois, necessidade de eliminatórias. Além do mais, o time alemão era formado por oito austríacos e apenas três da Alemanha propriamente dita. Portugal não foi,e a Espanha estava terminando sua guerra civil.
E partiu o time brasileiro. Muito entusiasmo e esperança. Sem dúvida, uma grande equipe. As rebarbas foram aparadas. O jogador Luizinho, recém-casado, exigiu levar a esposa. A CBD, sempre diplomática, ajeitou o caso. A mulher de Luizinho foi.
A imprensa estava representada por Everardo Lopes, Thomaz Mazzoni e Afrânio. O rádio, por Gagliano Netto. Eu, que tinha vinte anos, fui credenciado, de araque, por um jornal carioca chamado O Mundo Esportivo ou Mundo do Esporte, não me lembro bem. Não usei a credencial porque ninguém me pediu. De qualquer forma ia para a Europa ver a Copa e já tinha viagem, estadia e ingressos pagos para todos os jogos. Tampouco precisei dos ingressos. Nos jogos do Brasil ia junto com a delegação, e nos outros, fui entrando. Como usava um blusão da CBD, mesmo em outros jogos, e os franceses não eram exigentes, não tive problemas.
Nosso time chegou e foi alvo de especiais atenções. Nem o nosso nem os outros abalaram os torcedores franceses que não eram muitos. A única diferença é que no time brasileiro tinha crioulo. Isto o destacava de todos os outros competidores. No primeiro treino na Europa, toda a imprensa da Copa foi assistir. Pimenta despistou e para encher os olhos dos “espiões”, colocou Domingos da Guia na ponta-esquerda, Leônidas de beque, Martin de meia-esquerda e assim por diante. Houve um grande despistamento, inclusive para os nossos jogadores, que estavam sem treinar há muito tempo. Afinal de contas, a viagem tinha sido feita de navio, doze dias no “Arlanza”, e mais uns dois com preparativos de saída e chegada.

Fonte: O Brasil na Copa do Mundo (livreto distribuído pela Esso do Brasil, em 1966)