O BRASIL NA COPA DO MUNDO DE 1934
Thomáz Mazzoni
E, quando se pensava que a lição tinha sido aprendida, surgiu outra copa, a de 34, que o Brasil perderia em condições ainda mais deploráveis.
A FIFA acreditava obter êxito no certame programado para a Itália, onde o esporte eraFundação do Estado no regime em vigor e, portanto, o campeonato teria todo apoio oficial. A FIFA tinha certeza que, daquela vez, a concorrência europeia seria grande. E foi, tanto que vários países, entre eles a Itália, se submeteram a eliminatórias. Mas a maioria dos sulamericanos, solidários ao Uruguai, abandonado em 1930 pelos europeus, não concorreram. Desta forma, apenas a Argentina, com um time de segunda classe e o Brasil, em condições ainda piores que na Copa de 30, se inscreveram. Os países britânicos continuaram ausentes, e as grandes vedetas eram os representantes da Europa Central - Áustria, Tcheco-Eslováquia e Hungria – os três favoritos, seguidos pela Itália, a dona da casa.
Desde 1930 o futebol italiano estava em evidência, pois descobrira a mina dos oriundi: craques uruguaios, argentinos e brasileiros que levavam o estilo típico sulamericano para seus campos. Monti, Orsi Guaita, Filó e De Maria, todos oriundi, eram do escrete, os dois últimos nascidos no Brasil. Mas as coisas não foram fáceis. 7x1 contra os Estados Unidos na estréia, 1 a 1 contra a Espanha e um minguado 1x0 na partida de desempate na chave, foram os resultados da Azurra. Na semifinal, contra a Áustria, outro 1 a 0. A Tcheco-Eslováquia, o outro finalista, passara pela Romênia, Suíça e Alemanha (2x1, 3x2 e 3x1), e chegou a estar ganhando a final por 1x0. Mas os italianos empataram e, na prorrogação, conseguiram o título. Mussolini, Chefe de Estado, fez questão de cumprimentar os vencedores pessoalmente.
E o Brasil, o que fez? Muito pouco.
A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) não podia deixar de competir. A luta pela implantação do profissionalismo começara em 1932 e iria até 1937. Todos os grandes clubes, menos o Botafogo, eram profissionais. Surgira a FBF – Federação Brasileira de Futebol – que tentavam filiar à FIFA. Para sobreviver, a CBD tinha que ir a Roma disputar a segunda Copa. Só assim sua filiação internacional não correria perigo.
Restava a paz interna. Mas, embora solicitado, o Governo Federal recusou-se a intervir, através do Conselho Nacional de Desportos (CND) e a proposta de uma trégua, pelo menos até o fim da Copa, fracassou. Só restava uma solução: aliciar alguns cobras. Foi o que fez com Leonidas e Tinoco. Conseguiu o goleiro Rey, oferecendo-lhe um cheque de 20 contos. Mas ele se arrependeu, devolveu o dinheiro e deixou o escrete.
Em São Paulo, somente quatro jogadores, todos do São Paulo F.C., foram alistados: Waldemar de Brito, Sílvio, Luizinho e Armandinho. Outros, porém, foram levados por seus clubes para fazendas no interior. A CBD ainda conseguiu, no Rio Grande do Sul, o beque Luís Luz. Completou seu time com elementos do Botafogo e alguns juvenis, recrutados às pressas.
O time fez o que pode. Para cúmulo do azar, o sorteio indicou a Espanha, forte candidato, para o primeiro jogo, válido pela classificação nas oitavas de final. Quando a partida começou, em Gênova, havia poucas esperanças. O Brasil com Pedrosa, Sílvio e Luís Luz, Tinoco, Martin e Canali, Luizinho, Waldemar de Brito, Leonidas, Armandinho e Patesko. O juiz, desastradamente, acabou por arruinar tudo de uma vez. Os espanhois impunham um ritmo forte e coeso, ante a total falta de conjunto dos brasileiros. Aos 18 minutos, em último recurso, Luís Luz cometeu pênalti. Irragore bateu e fez 1 a 0. Aumentou a pressão espanhola. Langara, numa bela jogada, marcou o segundo, logo depois aumentou para 3 a 0.
Ante a perspectiva do fracasso total, o Brasil cresceu. Leonidas diminuiu o placar. Av reação aumentou. Luizinho marcou outro gol para o Brasil mas o árbitro anulou, assinalando um impedimento inexistente. Finalmente, Waldemar de Brito foi derrubado dentro da área, e ele mesmo se incumbiu da cobrança do penalti. Mas só depois do jogo, Waldemar iria saber que Zamora, o famoso quiper espanhol, assistira o único treino brasileiro e o vira bater dezenas de penaltis, todos no mesmo lugar. Sabia como agir. Assim, quando Waldemar gingou para um lado, Zamora jogou o corpo para lá; Waldemar bateu no canto e Zamora, muito vivo, pegou. Aí acabou o Brasil. Os espanhois cresceram de novo. Num último e desesperado esforço, a seleção brasileira ainda voltou à carga, obrigando o beque Quincoces defender, dentro da área, com as mãos. O juiz, porém, nada marcou. A foto desse penalti, claro, indiscutível, correu o mundo na ocasião. Mas o Brasil pagava, mais uma vez, por seus próprios pecados.
Salvaram-se Leonidas e Waldemar de Brito, louvados por toda a cronica especializada presente no campeonato. No fundo, entretanto, a mesma decepção de 30 marcou a nossa presença. Com aquele quadro, o que se podia fazer? Como seria a equipe de 1934, se fosseintegrada pelos maiores jogadores brasileiros da época? Formaria, certamente, com Rey, Domingos da Guia e Junqueira, Tunga, Fausto e Orozimbo, Luizinho, Waldemar de Brito, Leonidas, Romeu e Hércules. Um grande time, que jamais jogou.
Ficava provado, já naquela ocasião, que o único motivo que impedia o Brasil de ser campeão mundial era a desorganização, a eterna briga sem sentido, de que nunca conseguíamos sair. Enfim, a Copa era perdida aqui mesmo, fora dos campos de futebol. Daí a imagem quer perdura até hoje, mostrando que o Brasil estreou nos certames mundiais, derrotando a si mesmo, implacavelmente acima dos adversários e dos juízes.
Fonte: O Brasil na Copa do Mundo, Oferta do seu revendedor Esso (1966)